1500 contos pela venda de Serafim

Perdeu no campo, ganhou na tesouraria: no final da época, Serafim transferiu-se para o Benfica, tornando-se o primeiro milionário do futebol português, investindo os proventos numa co-sociedade de construção civil com seu pai. Recebeu 1000 contos por um contrato de três anos, 50 contos de luvas, 4000 escudos de ordenado e o Benfica pagou 1500 contos ao F. C. Porto pela cedência da carta de desobrigação. Os retoques finais no acordo ocorreram em... Alvalade, antes do início da Volta a Portugal. Serafim só soube do último acto quando saia de um cinema, no Porto, por um amigo que ouvira a notícia na televisão...

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (FCP, fascículo n.º 12, parte 4)

 

Goleadas intercontinentais

O Benfica estreou-se como barco à deriva na Taça Intercontinental. Até foi preciso chamar Eusébío à pressa. Não resultou. E como, no ano seguinte, havia Pelé...

Em 6 de Setembro de 1961, o Benfica, enfrentara o seu primeiro desafio na Taça Intercontinental. Jogo na Luz, muita assistência. Arbitrou Offimar Huber (Suíça). Coluna marcou o único golo da partida, aos 15 minutos da, segunda parte. O Benfica alinhou: Costa Pereira; Ângelo e Mário João; José Neto, Saraiva e Cruz; José Augusto, Santana, Águas, Coluna e Cavém.
A segunda «mão» disputou-se, onze dias depois, em Montevideu, arbitrada pelo argentino, Carlos Nai Fono.
A equipa do Benfica: Costa Pereira; Ângelo e Cruz; Neto, Saraiva e Cruz; José Augusto, Santana, António Mendes, Coluna e Cavém.
Germano, lesionado, continuava ausente, José Águas não jogou, substituído por Mendes.
O Benfica perdeu, por 0-5, sem apelo nem agravo. O enviado-especial de «A Bola» comentou: «Ontem, foi o próprio Benfica que provocou o naufrágio, abrindo água e transformando-se num barco à deriva». Uma vitória para cada lado. Nestes casos, o regulamento obrigava a terceiro jogo, não admitindo à consideração, para desempate, os golos sofridos e marcados. A partida realizou-se, também, no Estádio Centenário, em Montevideu.
O descalabro preocupara os dirigentes do Benfica e o seu treinador, que pediram a urgente comparência de Eusébio e de Simões, que se distinguira, no Torneio Internacional de Juniores, jogado em Abril, no qual
Serafim, mais tarde jogador do Benfica, evidenciara, também, grandes potencialidades. Lá foram os jogadores à pressa de Lisboa para o Uruguai. As coisas correram melhor para o Benfica, mas a equipa voltou a perder (1-2).
A constituição do team foi a seguinte: Costa Pereira; Ângelo e Cruz; Neto, Humberto Fernandes e Cavém; José Augusto, Eusébio, Coluna e António Simões.
Humberto Fernandes estreou-se no eixo da defesa. Cavém jogou a médio-esquerdo, Eusébio e Simões integraram o ataque, ao qual regressou José Águas. O golo benfiquista foi obtido por Eusébio.

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (SLB, fascículo n.º 13, parte 2)

 

Os milhares por Yaúca e Serafim

Impressionados com a derrota, como se ela tivesse sido escandalosa ou vibrada por clube insignificante, os dirigentes benfiquistas lançaram-se à conquista de novos jogadores. Yaúca foi contratado em Nova lorque quando, ao serviço do Belenenses, disputava o torneio internacional. Os azuis receberam 2075 contos pelo negócio, desse dinheiro teriam de disponibilizar 120 contos para o Catumbela, clube de origem de Yaúca. Este jogador passou a vestir a camisola encarnada por 400 contos de luvas e 4000 escudos por mês.
O enviado-especial de «A Bola» ao Torneio de Nova lorque fez a reportagem do acontecimento. E, pasme-se!, o New York Times entrevistou o angolano...
Quanto a
Serafim, o acordo estabeleceu-se na Curia: 1000 contos para o futebolista por um contrato de três épocas, ainda 50 contos de luvas, 4000 escudos de ordenado. O Benfica pensava ainda em indemnizar o F. C. Porto, em 1300 contos. Afinal, nos ajuste das contas, os portistas aceitaram a verba de 1500 contos sem o Benfica ter de ceder Pedras, como os nortenhos parece que desejavam.

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (SLB, fascículo n.º 13, parte 2)

 

A taça da vergonha

A UEFA permitiu que o Inter disputasse afinal da Taça dos Campeões, em... Milão. O Benfica só foi batido por um «frango» de Costa Pereira, que regressou em cadeira de rodas

Vencedor do «Nacional», em 62/63, com seis pontos sobre o F. C. Porto, o Benfica repetiu a proeza, em 63/64, deixando, igualmente, os portistas à mesma distância, na classificação geral.
Desta vez, os benfiquistas sabiam que não podiam encarar a grande prova com displicência, porque, perdida a final de Londres, só sendo campeões podiam voltar à rainha das taças europeias.
Na última jornada, vitória sobre o Varzim, por 8-0. Houve festa, claro, e os jogadores, assediados pelos seus adeptos, regressaram à cabina em cuecas. O Benfica marcara 103 golos nas 26 jornadas, Eusébio, com 28, ganhou a «Bola de Prata», pela primeira vez na sua carreira, que ainda não era longa, e José Torres apontou 23. Estes números dizem bem da agressividade daqueles dois atacantes.
Lajos Czeiler partiu, deixando a ideia de que tinha escolhido Portugal para se reformar e recomendando a contratação de Guttmann. Isso também o Benfica queria. Mas Guttmann, que um dia dissera «conquistar o terceiro título europeu é coisa complicada», continuava a adorar o deus dinheiro, uma adoração obcecante.
O plantel do Benfica vencedor do Campeonato de 63/64 era o seguinte: Costa Pereira, Cavém, Coluna, Cruz, José Augusto, Eusébio, Simões, Torres, Luciano, Yaúca, Neto, Serafim, Jacinto e Germano.
Preparava-se a nova época, que o Benfica havia de dominar, e também mais uma presença na Taça dos Campeões. Entretanto, Eusébio e José Augusto jogaram pela Selecção da Europa contra uma da Escandinávia (4-2). 0 moçambicano apenas jogou 45 minutos (ressentiu-se de uma lesão) mas marcou um golo, e José Augusto esteve em campo todo o tempo.
Lajos, antes da reforma, ainda saiu glorificado pelo triunfo na final da Taça de Portugal: 6-2 ao F. C. Porto. Foi depois deste jogo, que teve aspectos negativos a partir do penalty contra o F. C. Porto, à meia hora, e expulsão de Jaime, epicentro do sururu, que Otto Glória inventou a frase já reafirmada, vezes sem conta: «O árbitro anulou todo o esforço de uma região.»
Não há de facto nada de novo sobre a terra. A época internacional dos benfiquistas, em 63/64, foi desastrada. Vencedores do Distillery (Belfast), com um empate (3-3) e uma vitória, na Luz (5-0), foram eliminados pelo Borussia Dortmund (2-1 em Lisboa e 0-5 em Dortmund). Jogaram neste desafio, Rita, Cavém e Cruz; Coluna, Luciano e Humberto; José Augusto, Santana, Yaúca,
Serafim e Simões.
Em 4 de Novembro de 1964, corria, obviamente, o «Nacional» de 64/65, o Benfica enfrentou o La Chaux-de-Fonds. Passou por algumas dificuldades, mas conseguiu empatar (1-1). Em Lisboa, no dia 9 de Dezembro, três dias depois de ter batido o Torreense, por 6-0, marcou cinco ao La Chaux-de-Fonds. Neste encontro, Eusébio marcou três golos. Um deles ainda é recordado como um golo de antologia. O regresso à chapa cinco (tinha ganho ao Aris Bonnevoie, do Luxemburgo, exactamente por 5-1, marca comum aos dois encontros) moralizou a equipa. Nos quartos-de-final, saiu-lhe o Real Madrid ao caminho. Inesperadamente, o Benfica voltou a marcar cinco golos. Só que desta vez ao poderoso Real Madrid. Foi um jogo memorável. Os madrilenos nada podiam fazer para alterar o rumo da eliminatória, apenas conseguiram vencer em casa (2-1). O Vasas Gyor também não pôde com o Benfica, perdendo em Budapeste (0-1) e em Lisboa (0-4). Assim chegou o Benfica à sua quarta final europeia.
O desafio realizou-se em Milão, em 27 de Maio de 1965. Foi desoladora a forma como os benfiquistas perderam o grande jogo, por 0-1, devido a um frango monumental de Costa Pereira, que havia de deixar o campo, aos 12 minutos da segunda parte, por se ter ressentido de uma lesão contraída num choque com Mazzola, ainda no primeiro tempo. Germano ocupou o seu lugar na baliza. Era a primeira vez que defendia uma baliza desde os tempos de juvenil, no Atlético.
A relva de S. Siro estava molhada, a bola pesada, e o guarda-redes do Benfica deixou-a escapar para dentro da baliza. O remate de Jair, brasileiro ao serviço do Inter, saiu muito frouxo, razão pela qual o estádio ficou pasmado quando a bola entrou, passando sob as pernas de Costa Pereira: «...Encaixei bem, mas com a pressa de me levantar, para logo repor a
bola em jogo, acabei por deixá-la escapar entre as pernas...»
O Inter jogava em casa e soube defender-se, até ao fim, do futebol dos portugueses, que nunca deixaram de tentar o empate, mesmo quando reduzidos a dez com a saída, inoportuna, de Costa Pereira, aos 12 minutos do segundo tempo.
Choraram, amargamente, os benfiquistas, no final daquele encontro tão mal perdido, especialmente Torres e Eusébio, que jogara injectado com novocaína. Os jogadores italianos ovacionaram-nos, mas os senhores da UEFA, criticados por terem levado a final para o estádio do Inter, nem sequer se aproximaram dos portugueses, entregando a Coluna todas as medalhas a que eles tinham direito. Foi uma incorrecção que deu mais motivos de revolta a Neto, inconformado com as atitudes dos tais cavalheiros.
O treinador, Eleck Schwartz, comentou: «O Benfica provou que é a melhor equipa da Europa, se tivéssemos jogado na Luz, como o Inter jogou em S. Siro, teríamos ganho por três ou quatro.»
Com a mesma ideia sobre o valor da equipa e ainda impressionado com a forma como os jogadores se tinham batido contra o adversário e as infelicidades, o presidente do Benfica, Adolfo Vieira de Brito, concedeu-lhes o prémio da vitória — 40 contos. E decidiu pagar do seu bolso uma réplica da Taça dos Campeões com dedicatória a preceito dirigida aos senhores da UEFA, que puseram o Inter a jogar na sua própria casa. Quarenta contos! Mas comparados com os 235 ganhos por cada um dos italianos, parecia uma ninharia. As equipas:
INTER — Sarti; Picchi, Burgnich, Bedin, Guarneri e Facheti; Suarez e Corso; Jair, Mazzola e Peiró.
BENFICA — Costa Pereira; Cavém Germano, Raul e Cruz; Neto e Coluna: José Augusto, Torres, Eusébio e Simões.
Árbitro: Gottfreed Dienst (Suíça).

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (SLB, fascículo n.º 13, parte 3)

 

Guttmann vítima da «guerra fria»

Depois de ganhar em Manchester, o Benfica foi goleado na Luz e assim se dissipou o sonho de mais uma final europeia. Guttmann fora vítima dos seus próprios métodos

Terceiro título nacional consecutivo para o Benfica (64/65) e derrota, na final da Taça de Portugal, perante o Vitória de Setúbal (1-3), à data com uma excelente equipa.
Os campeões nacionais: Costa Pereira, Cavém, Germano, Raul, Jacinto, Neto, José Augusto, Torres, Coluna, Eusébio, Simões, Calado, Augusto Silva, Ângelo,
Serafim, Péridis, Pedras, Luciano, Malta da Silva, Yaúca, Alfredo, Félix, Benje, Fernandes, Arcanjo, Santana e Melo. O treinador continuava a ser o romeno Elek Schwartz.
O Campeonato terminou em 8 de Maio de 1965. No último encontro, os vermelhos bateram o V. Guimarães, em casa deste clube, por 2-1. O Benfica somou 43 pontos, o F. C. Porto (2.º), 37. Cuf e Académico ficaram, sensacionalmente, em 3.º e 4.º lugares. Mais uma vez, Eusébio foi o melhor marcador (28 golos) seguido por José Torres (23).
Corria o «Nacional», favorável ao Benfica, já a Taça dos Campeões estava perdida, quando, em 31 de Maio, António Catarino Duarte assumiu a presidência do clube. Os «encarnados» já haviam ganho o título em basquetebol, mais tarde, em Agosto, Peixoto Alves ganharia a Volta a Portugal, na mesma altura em que Eusébio gozava férias em Moçambique. Foi de Moçambique que chegou ao Benfica unia proposta de Eusébio, oferecendo 7000 contos pela sua carta de desvinculação. Resposta desfavorável da Direcção dos encamados, que, no entanto, reviu o seu contrato com o jogador.

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (SLB, fascículo n.º 13, parte 3)

 

Ganhar em Inglaterra perder em Lisboa

Em Fevereiro de 1966, o Benfica ainda podia ganhar o Campeonato Nacional e ir à final da Taça dos Campeões. Acabaria por falhar as duas coisas. No que se refere à prova europeia, assistiu-se, até, a uma inacreditável derrota em casa após o triunfo no terreno do adversário. Aconteceu com o Manchester United. O Benfica ganhou, lá, por 3-2 e, na réplica, em 9 de Março de 1966, perdeu, em Lisboa, por 1-5.
Curiosamente, a equipa, que resistiu a um certo mal-estar provocado por afirmações de Guttmann (pregou aos quatro ventos que, pobre de si, levava a Manchester uma equipa velha e rica, sem motivação para se bater com o afã de outros tempos...) mal suportadas pelos jogadores e dirigentes, o que levou o feiticeiro a convocar os futebolistas a fim de lhes dizer que tudo não passara de guerra fria, a fim de perturbar Matt Busby, perdeu apenas por 2-3, acabou por ver os seus planos por água abaixo, na Luz.
A eliminação custou mais porque os 2-3 pareciam recuperáveis, mas pior foi ainda a onda de indisciplina que passou sobre o futebol do clube. Santana estava suspenso por ter tentado agredir o adjunto Caiado,
Serafim também por rebeldia inadmissível, segundo os dirigentes do clube, e Jacinto, quando Guttmann quis convocá-lo à última hora, a fim de viajar para Manchester, não estava em Lisboa!...
Não há dúvida de que o Benfica, jogando muito mal contra o Manchester, a pontos de Connelly ter afirmado, ainda mal refeito: «Podíamos ter marcado vinte golos ao Benfica», foi influenciado pelo clima que então reinava na Luz.
Era altura de olhar para o «Nacional». À 22.ª jornada, beneficiando do empate do Sporting no Restelo, o Benfica passou a comandar... até perder em Guimarães (2-3) após dezasseis jornadas sem saber o que isso era.

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (SLB, fascículo n.º 13, parte 3)

 

Cabeça de Guttmann e a rábula do punhal

As coisas complicaram-se. O Departamento de Futebol propôs à Direcção o afastamento de Guamann, o feiticeiro que perdera o feitiço. Os dirigentes não foram tão radicais, mas ao permitirem a sua continuação, no entanto, com Fernando Caiado em treinador de campo, despoletaram a sua indignação: «Não sou nenhum palhaço. Se me fizesse qualquer observação, apanhava logo o primeiro avião para Viena. Não percebem que o que se tem dito é piada do 1.º de Abril?»
Enfim, uma época para os benfiquistas esquecerem.
Mas o comportamento dos «Magriços», no «Mundial» de Inglaterra apagou as mágoas dos vencidos e disfarçou a glória dos vencedores.
Guttmann partiu (para seu prestígio, nem devia ter voltado) Yaúca foi colocado na lista das transferências,
Serafim, o jogador rebelde, milionário à custa do Benfica, saiu para a Académica. E regressou, numa manhã de Agosto sem nevoeiro, o sr. Riera. Disse: «Não é verdade que seja um treinador defensivo.»
Enquanto aconteciam estas idas e vindas, José Sezabo, em Angola, acusava: «O que fizeram a Guttmann foi uma grande canalheira! Consentiram o casamento de Eusébio e foi-se embora o Benfica, mas quem foi apunhalado foi o Béla Guttmann.

No «Glória e Vida dos Três Grandes» do Jornal A Bola, (SLB, fascículo n.º 13, parte 2)

 

 

Cronologia do Vôvô Serafim (enquanto futebolista)

 

Vôvô Serafim na equipa de todos nós (PORTUGAL)

 

Vôvô Serafim na equipa de todos nós (PORTUGAL) mas a dos mais novinhos

 

Vôvô Serafim no Benfica

 

Curiosidades sobre o futebolista Vôvô Serafim